Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

Meninos selvagens

01-06-2010 20:07

Não sei se conhecem a história do “menino selvagem de Aveyron”. È uma história frequentemente contada aos meus alunos quando falo sobre a questão epistemológica entre o inato e o adquirido, que dominou o panorama cientifico dos anos 50 no século XX. O “menino selvagem”, segundo nos conta Giddens, apareceu a 9 de Janeiro de 1800, a partir de uns bosques franceses, mais precisamente localizados junto da vila de Saint-Serin, situada no Sul de França. Ninguém declarou ser seu pai, ninguém reclamou ser sua mãe.

 

 

 

 

 

 

O menino andava erecto mas estava despido; exprimindo-se por guinchos, não tinha hábitos de higiene e satisfazia as suas necessidades em qualquer lado. No entanto, era um ser humano entre os onze e os doze anos de idade e após ter sido levado á policia , foi encaminhado para um orfanato. Aí tentou várias vezes a fuga sendo dificilmente capturado. O seu comportamento agressivo fazia em pedaços as roupas que lhe vestiam.

 

Após esta etapa da sua vida, o menino foi levado para Paris, onde sistematicamente e através de várias tentativas foi “educado” de forma a passar de um estado animal para um estado humano. Esta tarefa só foi parcialmente bem sucedida porque se o menino aprendeu a usar roupas, a vestir-se sozinho e a acatar normas de higiene pessoal, nunca se interessou por brincadeiras ou jogos e nunca falou verbalmente mais do que umas poucas palavras.

 

As razões para tal comportamento não residiram no facto de o rapaz ser caracterizado por um qualquer atraso mental: apenas não ligava nenhuma á linguagem humana ou mostrava uma incapacidade para dominar o discurso verbal humano, (Giddens: 1997). Após ter feito poucos progressos, o menino feito homem faleceu com cerca de 40 anos de idade em 1828. A sua exposição pública como ilustrativo de uma quimera poderá te-lo levado á exaustão.

 

Infelizmente, ao menino selvagem de Aveyron, não foram aplicados os actuais testes  afim de conhecermos se a criança era efectivamente caracterizada por um qualquer problema mental. Contudo, e a par de outros casos de crianças negligenciadas ou maltratadas, pensa-se que existirá um “período crítico” para a aprendizagem da língua e de outras funções complexas humanas. Depois desse período critico, já é difícil a um ser humano dominar completamente essas funções. Por outro lado, a experiência e a falta de estabelecimento de laços sociais e culturais com outros seres humanos ,a que o menino selvagem de Aveyron foi sujeito, provocaram-lhe um dano psicológico que o impediu de dominar situações e comportamentos que a maior parte das crianças efectuam muito cedo.

 

O caso do “menino selvagem de Aveyron” parece indicar que a falta de um longo período de socialização primária limita as faculdades humanas. A socialização é assim um processo, em que a criança pelo seu contacto com outros seres humanos, em sociedade, aprende a viver numa determinada cultura, portadora de regras e de conhecimentos que são transmitidos geracionalmente.

 

O “menino selvagem de Aveyron” é assim o estereotipo de inúmeras histórias contadas por mitos ou por narrativas romanceadas. Crianças criadas por lobos ou por cabras em que estes animais criam aqueles seres inacabados, proporcionando-lhes uma vida. Basta-nos recordar o mito fundador de Roma, dos gémeos Rómulo e Remo, que segundo a lenda foram amamentados por uma loba, acariciadora dos filhos do Deus Marte e de Reia Sílvia, uma vestal que teria rompido com os seus votos de castidade por amor ao deus romano da Guerra.

 

O “menino selvagem de Aveyron” reporta-nos ao “mito do bom selvagem”. Este mitomostra-nos como o ser humano nascido intrinsecamente bondoso é depois corrompido pela sociedade. Assim sendo, o modelo do homem natural serviu a Rosseau na sua obra “Émile” (1762) para delinear o ideal da educação espontânea e livre. Natureza/Cultura, duas palavras – chave dicotómicas e que abrem uma reflexão mais profunda sobre a nossa humanidade.

 

 

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